segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Estados Unidos - Os novos servos da gleba

Estados Unidos - Os novos servos da gleba

Por Por Mark Sommer (*)



Arcata, Califórnia, outubro/2007 – Os norte-americanos desfrutam de uma vantagem em sua economia pessoal porque pagam pelos alimentos que consomem menos do que qualquer outra nação. Por outro lado, esses alimentos baratos são consideravelmente caros para a saúde, a segurança, os salários e as condições de trabalho dos profissionais, imigrantes em sua ampla maioria, que produzem tais alimentos nos Estados Unidos. O sistema industrial que fornece esses alimentos está implicado na utilização de mão-de-obra barata e se aproveita do pouco rigor na aplicação de leis, já débeis, o que significa freqüentemente perigosas condições de trabalho, abusos físicos e sexuais que em casos extremos são comparados a uma moderna escravidão.

Em alguns aspectos, as condições de trabalho para estas pessoas são apenas algo melhor do que as documentadas pelo jornalista Edward R. Murrow há meio século, quando revelou a existência nos Estados Unidos de uma até então desconhecida classe marginal de trabalhadores imigrantes que suportavam explorações de todo tipo durante as colheitas de tomates em meados dos anos 50 em Immokalee, na Flórida. Ali, com em muitas outras partes dos Estados Unidos, imigrantes, em sua maioria da América Central, colhiam produtos alimentícios que eles mesmos não tinham condições de comprar.

Atualmente, a mesma região é cenário de uma luta épica dos trabalhadores imigrantes que reclamam condições decentes de trabalho. Eles vivem, em média, cerca de 49 anos, enquanto a média de vida dos norte-americanos é de 78 anos. a renda média anual é de apenas US$ 7.500 (US$ 6.500 na Flórida) enquanto a renda familiar média nos Estados Unidos é de US$ 48 mil. Se for levada em conta a inflação, a renda dos trabalhadores imigrantes caiu 60% nos últimos 20 anos. Anualmente, 20 mil trabalhadores rurais requerem tratamento médico por envenenamento grave causado pelos pesticidas, e muitos outros casos não são denunciados.

Enquanto os agricultores da Flórida recebem US$ 10 por uma caixa de 25 libras de tomate, os apanhadores recebem US$ 0,45 por 32 libras, ou seja, menos que 5% do que obtêm os produtores. Mas, o agricultor não é o grande ganhador neste sistema. As grandes redes de refeições rápidas exercem uma intensa pressão para baixo no pagamento aos produtores, que, por sua vez, reduzem os salários dos trabalhadores para manterem sua própria margem de lucro.

Diante dessas sombrias realidades, no início da década de 90 um grupo de trabalhadores agrícolas da Flórida que se autodenominou Coalizão of Immokalee Workers (CIW) começou a se organizar. Por meio de paralisações parciais e greves gerais, em 1998 os trabalhadores de Immokalle obtiveram das indústrias de alimentos aumentos entre 13% e 25%. Uma série de campanhas publicitárias teve êxito em persuadir Taco Bell, Pizza Hut, MacDonald’s e outras empresas a aumentar em um centavo por libra o pagamento dos trabalhadores de Immokalee.

Entretanto, para dar condições de subsistência plena aos trabalhadores imigrantes falta mais do que aumento salarial. É necessária uma mudança sistêmica. Não apenas deverão ser pagos salários dignos aos trabalhadores rurais, mas também as normas governamentais devem levar às práticas trabalhistas agrícolas à altura dos padrões dos direitos humanos globais.

Este ano é um problema apenas dos Estados Unidos. Em um cada vez mais integrado sistema global de produção de alimentos, os consumidores ricos da América do Norte e da Europa estão acostumados a aguardar baixos preços nos alimentos. Porém, esses preços, que são baixos para eles, têm grandes custos escondidos em matéria de combustíveis e transporte, devastação ambiental, exploração dos trabalhadores e de conflitos sociais.

Grande parte dos alimentos que chegam às nossas mesas nos Estados Unidos foram cultivados e colhidos em lugares distantes por agricultores marginalizados que recebem uma minúscula porção do que nós pagamos por esses produtos. Expulsos de suas terras pelos absurdamente baixos preços das matérias-primas, acabam por se aglomerarem nas cidades do mundo em desenvolvimento em busca de trabalho.

O fabricante de automóveis Henry Ford, um capitalista que agia em seu próprio interesse, entendeu este principio elementar quando insistiu em pagar aos seus trabalhadores o suficiente para que pudessem comprar os automóveis que construíam. Quanto queremos pagar pelos alimentos que comemos para assegurar que aqueles cujo trabalho traz essa comida também possam comê-la?

(*) Mark Sommer, diretor do programa de radio internacional A world of possibilities (http://www.awordofpossibilities.com).
(Envolverde/ IPS)

Um comentário:

fersilvajr disse...

Está aí uma oportunidade para que empresários sérios lancem produtos com um selo de qualidade que ateste terem sido produzidos sem exploração de mão-de-obra. No Primeiro Mundo, especialmente Europa do Norte, deve haver mercado para isto.